terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sobre Movimentos Sociais e Educação

Assentados colam grau em Curso Superior de Ciências Agrárias



A noite da última sexta-feira, 28, ficará para sempre na memória de 42 assentados e assentadas da reforma agrária da Paraíba e de outros 12 estados brasileiros que colaram grau no Curso de Graduação em Ciências Agrárias com Licenciatura Plena. O curso foi promovido pela Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na Paraíba através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em parceira com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Via Campesina. A solenidade de Colação de Grau foi realizada no Auditório Central do Campus III da UFPB, em Bananeiras, com a participarão de representantes da Reitoria da UFPB, coordenadores do Curso de Graduação em Ciências Agrárias, o chefe da Divisão de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento do Incra na Paraíba, Abdon Bandeira André, servidores da equipe do Pronera e representantes da Via Campesina.

A Colação de Grau foi comemorada por formandos e convidados com um churrasco e forró pé-de-serra no Portal do Forró, no município de Solânea.
Além dos alunos que moram em assentamentos da Paraíba, esta primeira turma do curso, que teve duração de quatro anos, foi composta por assentados dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe, Maranhão, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Paraná e Minas Gerais.
De acordo a asseguradora do Pronera na Paraíba, Ângela Maria Duarte, o Incra investiu recursos na ordem de R$ 778 mil para a formação desta primeira turma.

A Paraíba é o estado nordestino que oferece mais cursos de nível superior aos assentados. Além desta primeira graduação em Ciências Agrárias, promove o curso, pioneiro no Brasil, de Licenciatura em História para Educadores da Reforma Agrária. A primeira turma de 58 alunos do curso de História concluiu a graduação em junho de 2008. A segunda turma deste curso e a primeira de Pedagogia, com 60 vagas para alunos do Nordeste, tiveram aulas iniciadas em 2008.

Alunos mais críticos

O coordenador do convênio entre Incra e UFPB para a realização do Curso de Graduação em Ciências Agrárias com Licenciatura Plena, o professor José Ribeiro de Moraes Filho, destacou a diferença entre os alunos oriundos de movimentos sociais do campo e os alunos de cursos regulares.

“Os alunos dos movimentos sociais são muito mais críticos e possuem uma preparação política maior, por isto têm grande capacidade de fazer inter-relações entre as disciplinas”, afirmou.
Segundo o professor, lecionar para uma turma diferenciada foi uma experiência muito rica para a grande maioria dos professores. “Uma nova proposta de educação não pode continuar com pensamentos arcaicos. Isto forçou a atualização dos professores, que tiveram que se aprofundar mais sobre práticas alternativas na agricultura. Agora eles estão mais abertos ao novo”, concluiu José Ribeiro.

Camponês e “doutor

“Vou ser doutor sem deixar de ser camponês”. A frase é do assentado paraibano Gilmar Felipe Vicente, 28 anos, do assentamento Zumbi dos Palmares, que comemorou a conquista ao lado da esposa e do filho de um ano. Dois dos cinco irmãos de Gilmar também concluíram cursos técnicos promovidos pelo Pronera nas áreas de Agricultura e Magistério.
Aluno da primeira turma do curso técnico em Magistério promovido pelo Pronera em parceria com a UFPB (1999-2002), Gilmar trabalhava como voluntário no processo de formação de educadores de escolas de Ensino Fundamental de vários assentamentos das regiões da Várzea, Borborema e Cariri paraibanos. Embora sonhasse em fazer um curso superior de Pedagogia – que não era oferecido pelo Pronera no ano em que ingressou no curso de Ciências Agrárias – não se arrependeu da escolha.

“Não vim buscar diploma, vim buscar conhecimento. Me apaixonei pelo curso porque ele me deu novas visões sobre o processo produtivo, a situação social e econômica dos assentamentos. O confronto entre a realidade que a gente vive no dia-a-dia e o conhecimento científico ensina demais”, afirmou.

Agora, Gilmar quer tentar uma vaga na especialização em Economia Política que será promovida pelo Pronera em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no próximo ano, mas não esquece o sonho de continuar os estudos na área de Pedagogia. “Pretendo também concorrer ao mestrado em Educação Popular promovido pela UFPB”.

Amadurecimento

Para Poliane Oliveira Dutra, 24 anos, ex-aluna e monitora das escolas-famílias agrícolas no município de Barra de São Francisco, no Espírito Santo, o curso de Ciências Agrárias mudou sua vida. “É a realização de um sonho não só meu, mas da minha família, que não tinha ninguém com curso superior. Sempre quis estudar, sempre fui dedicada, mas sabia das dificuldades de passar no vestibular regular. Através do Pronera tive acesso ao conhecimento científico e pude crescer culturalmente porque tive oportunidade de estudar com pessoas de vários estados, com realidades até mais difíceis do que a minha”, disse.

Os desafios começaram com a distância da sala de aula, em Bananeiras (PB), do município onde Poliane mora com a família, no Espírito Santo. “Foi a primeira vez que passei muito tempo fora de casa. Foi um processo de amadurecimento muito grande”, contou, acrescentando que, assim como o colega de turma Oziel dos Reis, ainda não pôde dividir com a família a conquista do diploma de terceiro grau.

Agora os planos de Poliane incluem a especialização em Economia Política que também será promovida pelo Pronera em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Aproveitando oportunidades

Oziel Fernando dos Reis, 26 anos, assentado no assentamento Nova do Pontal, no município de Rosana, na emblemática área do Pontal do Paranapanema – como é conhecido o extremo oeste do Estado de São Paulo, marcado por inúmeros conflitos agrários – já havia concluído o curso técnico em agropecuária e trabalhava em uma cooperativa ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) quando surgiu a oportunidade de ingressar no curso de Ciência Agrárias.

“Esse curso, com o regime de alternância, foi a minha oportunidade de estudar porque para mim seria muito difícil passar no vestibular e assistir aulas todos os dias, sem tempo para retornar para meu lote no assentamento”, disse.

O futuro reserva mais estudos para Oziel, que já está inscrito em uma especialização na área de Educação do Campo que será promovida pelo Pronera em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2009.

“Meu pai sempre me falou para aproveitar as oportunidades para estudar, mas nem ele, nem minha mãe puderam me ver colando grau porque a distância é grande. Mas sei que eles estão muito orgulhosos da minha vitória”, afirmou Oziel dos Reis.

Metodologia diferenciada

O ingresso nos cursos do Pronera acontece através de um processo seletivo diferenciado, semelhante ao vestibular, mas destinado apenas a assentados da reforma agrária e acampados.
A pedagogia utilizada nos cursos também é diferenciada e é conhecida como Pedagogia da Alternância, onde a carga horária dos cursos é dividida em tempo escola (presencial = 70%) e tempo comunidade (nos assentamentos = 30%), proporcionando a oportunidade dos assentados estudarem e também produzirem, contribuindo para o desenvolvimento sustentável das áreas de assentamento da reforma agrária.

O Pronera

Na Paraíba, de 1999 a 2008, o Pronera já investiu mais de R$11,7 milhões na implantação de 21 cursos que beneficiaram 6.871 alunos, sendo três Cursos de Alfabetização de Jovens e Adultos (Eja); dois Cursos de Escolarização (1º segmento do ensino fundamental); oito Cursos Técnico-Profissionalizantes em Agropecuária com habilitações em Agricultura, Zootecnia e Agroindústria; um Curso Técnico de Enfermagem; dois Cursos Normais de Nível Médio (Magistério); dois Cursos de Licenciatura em História; um Curso de Licenciatura em Ciências Agrárias; um Curso de Licenciatura em Pedagogia e um Curso de Especialização em Residência Agrária.
Em todo o Brasil o Programa já formou cerca de 470 mil alunos, tornando-se um relevante instrumento de democratização do conhecimento e de promoção do desenvolvimento sustentável.

O Pronera foi criado em 16 de Abril de 1998 e é um Programa de Educação do Campo voltado especificamente para trabalhadores das áreas de reforma agrária executado pelo Incra, no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em parceria com diferentes esferas de governo, Instituições de Ensino, movimentos sociais e organizações sociais/sindicais.

“Com 10 anos de criação, o Pronera é um importante instrumento de democratização do conhecimento no campo, já que propõe e apóia projetos de escolarização formal em todos os níveis, desde a Alfabetização e Escolarização de Jovens e Adultos, passando pelo Ensino Técnico de nível Médio até o Ensino Superior e a Pós-Graduação. Para a maioria dos alunos é a única oportunidade de conquistar um diploma de nível técnico e superior”, afirmou Ângela Maria Duarte, asseguradora do Programa na Paraíba.

Os principais parceiros do Pronera na Paraíba são as Instituições Públicas de Ensino: a UFPB, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e a Escola Agrotécnica Federal de Sousa (EAFS).

Fonte: Paraiba.com.br

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